Já tinha a coluna da semana pronta, “na cabeça”.
Como sempre bastava escrever e enviar.
Aí veio a notícia. O Covid-19 levou Rodrigo Rodrigues. O cara gente boa e talentoso. Jornalista, como eu. Músico, como eu.
De todas as bandas que já levamos para eventos dos clientes da agência, acho que a sua Soundtrackers foi a que mais vezes contratamos.
Porque eram bons, divertidos, “coloridos”, sabiam lidar com o corporativo. Cachê acessível, fáceis no trato. Por vezes nossa produção acertava tudo com o próprio Rodrigo.
Fora a Soundtrackers era bom vê-lo inovando o jornalismo esportivo na TV, na Cultura, na ESPN, na Bandeirantes e mais recentemente nas organizações Globo (SporTV e a própria Vênus).
Não bastasse, ainda era autor de livros, como o da história da Banda Blitz. E tinha 45 anos! Ainda havia uma vida pela frente para aproveitar com os amigos, sorrisão aberto.
Enfim, um soco no estômago que ontem já havia levado um golpe com a morte de outro profissional inteligente, capaz e divertido. O Jorge Capeta, cinegrafista dos melhores, com quem fui para rua inúmeras vezes nos meus tempos de repórter.
A quem o já falecido Goulart de Andrade deixou famoso com o bordão “Vem Capeta”, quando os dois faziam juntos o “Comando da Madrugada”.
Duas pessoas conhecidas, em dois dias seguidos.
E assim, os mortos pelo Covid-19 ganham, para cada um de nós, faces amigas. Deixam de ser o número anunciado pelo governo e pelo “consórcio de veículos de imprensa” e revelam a crueza e a gravidade de termos vidas ceifadas, histórias interrompidas, famílias enlutadas, amigos órfãos da companhia de quem lhes faz bem.
Tristeza temperada em revolta. Porque a imensa maioria dessas perdas poderia ser evitada.
O Brasil, na companhia dos Estados Unidos e em breve da Índia, é o exemplo da ineficiência no combate a doença.
Na Argentina, nosso vizinho, pouco mais de 170 mil pessoas adoeceram desde o início da pandemia. E apenas 3 mil morreram. Em cinco meses, os hermanos enterraram o mesmo número de vítimas que o Brasil produz em menos de três dias pelos números atuais.
Mesmo com uma população quatro vezes menor, a diferença é assustadora, dramática.
Não termos ministro da Saúde é o escárnio limite.
Bolsonaro foi denunciado junto ao Tribunal Penal Internacional de Haia, e não foi à toa.
Presidentes têm obrigação de liderar, dar exemplo, honrar não apenas os votos que tiveram, mas também dar o máximo para os que nele não votaram se arrependam ou, no mínimo, reconheçam que afinal a escolha vencedora não foi tão ruim.
Mas estamos vivendo justamente o contrário.
A história está registrando a política genocida. Vai ficar escrito na pedra. A incompetência, a desumanidade, o pouco caso com a vida e dor alheias, a mistificação, o cinismo de apregoar que “a culpa é dos governadores e prefeitos” quando a execução do orçamento emergencial para a Saúde está em meros 39% do que foi aprovado.
O Imperial College, de Londres, que cravou que teríamos mais de 80 mil mortos no Brasil a essa altura, estima que em novembro o número chegará a 170 mil.
Impossível desvincular esse quadro, e todas as suas consequências, da liderança abjeta que temos hoje em nosso país.
Mesmo a economia, que fracassa em meio a maior depressão econômica já vivida aqui, poderia já estar em franca recuperação tivéssemos um governo responsável e minimamente capaz.
Como ocorre na Nova Zelândia, onde a vida já voltou ao normal, e mesmo em diversos países da Europa, que sofreram bastante, mas convenceram-se sobre a necessidade do isolamento e agiram para o bem de suas populações depois de graves vacilos iniciais.
Alguém (alguns) podem pensar: Lá vem esse cara novamente tratar de assuntos que nada têm a ver com o live marketing num veículo especializado.
Engano. Em nosso mercado, agências estão sem negócios, eventos cancelados, profissionais sem trabalho. E tudo isso deve-se ao desastre na administração da pandemia.
É assunto nosso. Nos níveis pessoal, profissional e humano.
Precisamos lutar para defender a democracia, o funcionamento das instituições, o SUS, e, mais tarde, a punição exemplar dos responsáveis.
Que possamos deixar de chorar mortos, e voltar a construir sonhos. O quanto antes.