por Federico Eisner e Luciana Batista, sócios da Bain & Company
Que a pandemia de covid-19 impactou de maneira substancial as nossas rotinas e hábitos, não há a menor dúvida. A grande questão que se coloca agora é: como o comportamento de consumo da população, especialmente no Brasil, se modificará a ponto de não reconhecermos mais como nos relacionávamos com nossos hábitos anteriores enquanto consumidores, não só em ambientes domésticos mas também em ambientes públicos e eventos sociais.
Para entender como isso deve acontecer, a Bain & Company se propôs a entender o futuro do consumo no Brasil e como a pandemia impactou o comportamento da população.
De maneira geral os efeitos, tanto de saúde quanto de renda, foram disseminados entre todas as classes sociais. O senso de preservação fez com que a preocupação sobre o bem-estar fosse elevada. Resultado disso foi que comportamentos relacionados ao estilo de vida e à saúde foram ressignificados.
Além disso, o controle financeiro foi mais rigoroso, com 88% dos brasileiros cortando gastos durante a pandemia.
Esse-impacto na renda fez, inclusive, com que o brasileiro fosse mais prejudicado na sua capacidade de economizar, quando comparado com outros países. Nosso estudo mostrou que, no Brasil, o número de pessoas que guardaram menos dinheiro foi 28% maior do que o de entrevistados que pouparam mais. Nos Estados Unidos, só para efeito de comparação, o número de pessoas que guardaram mais ou muito mais dinheiro foi 16% maior. Isso em razão do impacto da menor atividade econômica, do emprego e da renda.
É evidente que, dada a preocupação das pessoas com seu poder aquisitivo e sobre o quão rápido conseguirão recuperá-lo, isso gera um consequente impacto nos seus hábitos domésticos. Nosso estudo identificou que as atividades relacionadas ao ambiente do lar passaram a ter relevância.
Entre elas, estão: cozinhar (84%), assistir à televisão (77%) e cuidar da casa (64%). Além disso, o entendimento sobre o trabalho remoto e o ensino à distância ganhou nova dimensão, especialmente por somar-se à preocupação com a saúde. Entendemos que parte desses comportamentos adquiridos, que indicam maior tempo gasto em casa, deve se prolongar mesmo após o fim da pandemia.
A despeito do impacto financeiro que a pandemia trouxe para as famílias, um aspecto considerado positivo no comportamento do consumidor durante esse período foi a adesão ao comércio eletrônico, especialmente nas compras de supermercado.
Ou seja, de maneira geral, com as restrições impostas pela crise de covid-19, nosso estudo mostrou que 76% dos brasileiros afirmaram ter feito ao menos uma vez compras de supermercado de maneira totalmente virtual – embora 88% deles ainda mesclem esse novo hábito com as compras físicas.
Vale destacar o fato de que não houve fricção na experiência do digital, de modo que todos os espectros socioeconômicos avaliaram como satisfatória a jornada de consumo no ambiente online.
Isso representa uma mudança que ganha tração de maneira mais rápida do que se esperava. É natural que, com a evolução dos meios digitais, os consumidores passem a consumir mais virtualmente. Porém, o que vimos é que esse comportamento foi acelerado na pandemia. Com esse hábito mais arraigado, não apenas as pessoas passarão a exigir experiências ainda melhores como também as empresas precisarão repensar como agradar mais a esses novos clientes.
Colocada em perspectiva, nossa pesquisa mostrou que o comportamento do brasileiro sofreu grandes alterações, com foco, sobretudo, em supermercado, delivery, saúde e bem-estar.
Esse último, inclusive, ganha destaque com a busca dos brasileiros por consumo de alimentos mais saudáveis (50%) e atenção ao peso corporal adequado (32%) – sendo esses os aspectos positivos nas mudanças de hábitos mais detectados em nossa pesquisa.
Ainda levará um tempo até vermos uma retomada da normalidade nas atividades fora do lar. Ainda assim, o grande ponto que se coloca é que, no futuro, dadas as mudanças de comportamento observadas, as empresas precisarão se adaptar rapidamente para oferecer a melhor jornada.
Com o surgimento de novos comportamentos relacionados ao consumo doméstico e digital, maior preocupação com saúde e bem-estar, além de uma maior sensibilidade a preços e custos, espera-se que esses novos hábitos sejam incorporados às preocupações sobre conveniência dos canais físicos e digitais (omnicanalidade) e respeito à sustentabilidade – que já eram pontos de atenção observadas no pré-pandemia.
Embora o estudo tenha apontado que há demanda reprimida em várias categorias nas quais os consumidores esperam gastar mais no futuro fora do ambiente doméstico – principalmente em viagens, comida, bebida e beleza -, a pandemia trouxe uma mudança radical nos hábitos de consumo.
Portanto, uma coisa é certa: o comportamento do consumidor brasileiro nunca mais será o mesmo. E as empresas precisarão urgentemente se adequar a essa nova realidade.