Experiência de Marca

Pra ganhar a licitação tem que pagar. Pode?

Existe a ilusão de que o nosso mercado é o único a sofrer as agruras do desrespeito e das colocações espúrias de alguns clientes, em especial em concorrências.

Existe a ilusão de que o nosso mercado é o único a sofrer as agruras do desrespeito e das colocações espúrias de alguns clientes, em especial em concorrências.

Ledo engano. O mercado publicitário vem sentindo na pele o que dá a falta de união e as “facilidades” que algumas pseudo agências dão para conseguir pegar jobs e agradar clientes.

A mais recente ocasionou um documento da Fenapro aos sindicatos, para ser repassado às agências filiadas de todo Brasil, no sentido de que elas não participem da licitação aberta pelo Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, para contratação de agência de publicidade.

A razão é, no mínimo, ultrajante. O Comitê finge não entender o trabalho de uma agência de publicidade e propaganda e tenta se dar bem, fazendo uma licitação onde ganha duas vezes: consegue uma agência capaz de fazer sua comunicação e um patrocinador ao mesmo tempo.

Não entendeu? É que o edital do Comitê Organizador determina que a agência vencedora do certame terá que comprar, pelo preço mínimo recomendado de R$ 5 milhões (que baratinho, né!), uma cota-serviço de patrocínio, a qual dará direito à agência de explorar, em benefício próprio, o uso dos direitos de propriedade do evento, e, ao mesmo tempo, prestar os serviços de comunicação.

Você viu que legal? O Comitê determina que quem ganhar a licitação TEM que comprar uma cota de patrocínio mínima de cinco milhões e ainda terá a HONRA de prestar serviços de comunicação para o comitê. Ou seja, a agência, além de fazer o seu trabalho, também irá comercializar a cota de patrocínio que COMPROU, a fim de se capitalizar. Ou seja, o Comitê está a procura uma agência que faça seu trabalho de vendas.

Se ninguém fizer nada, amanhã, uma empresa de cervejas poderá fazer uma licitação na qual determinará que o vencedor deva comprar um milhão da sua principal marca para revendê-la depois.

Tá, você pensou. Que absurdo! Não é? Pois saiba que nós passamos há muito tempo por coisas do tipo. Como os clientes que se capitalizam às nossas custas, pois realizamos seus eventos, colocando dinheiro na frente, e, na maioria das vezes, recebendo Deus sabe quantos meses depois.

Não paramos de cometer suicídio de mercado. No afã de mantermos vivas nossas agências,aceitamos reduzir nossa taxa de gerenciamento, não cobrar criação, estender prazos de pagamento, reduzir estruturas já enxutas, contratar fornecedores “meia boca” para baratear as coisas para os clientes.

No Rio de Janeiro, o mercado naufragou com o fim de inúmeras agências de porte que seguiram esse caminho. Surgiram, e surgem, todos os dias, agências de fundo de quintal baratinhas que atendem clientes que antes não as teriam em seu grupo de fornecedores. Compras e suprimentos fizeram um desfavor à comunicação de suas empresas.

Eu pensei que São Paulo fosse resistir a isso. Afinal, o nível de profissionalização paulista é muito maior. Mas o que vem acontecendo lá é mais uma crônica de nova morte anunciada.

Enquanto no Rio, as agências são abertas por qualquer um, pessoas que nem sabem o que é evento, ação, produção ou criação. Em São Paulo, não. Lá, o problema é que quem tem aberto as novas agências são profissionais altamente qualificados.

Pra quem não entendeu, explico, e essa é uma percepção minha, que sei que muita gente compartilha. Quando um grande profissional abria uma agência, o fazia para ganhar muito e crescer. Hoje, o faz para ter custo baixo e levar o cliente das grandes agências de onde saiu, com o ideia de que, com o tempo, vai ganhar muito.

Nada contra a pessoa, mas a questão é que com o passar do tempo, o cliente, o mesmo que talvez tenha colocado na cabeça dele a ideia de abrir a agência, fará o mesmo com um funcionário seu, que abrirá uma agência de menor custo ainda. Assim, em pouco tempo, teremos o mesmo problema do Rio.

Longe de querer crucificar ou julgar quem quer que seja, estou imaginando quem ganha com isso. Se o melhor não seria termos um mercado forte, unido, capaz de pagar salários significativos e justos e de tornar associados os grandes profissionais.

Desconheço mercado forte com empresas fracas e que cobram pouco. Desconheço um mercado de profissionais de ponta, no qual estes não sejam reconhecidos como tal, tanto pelas empresas em que trabalham quanto pelos clientes para quem trabalham, que fazem de tudo para melhor remunerá-los. Ninguém quer perder grandes profissionais. Em grandes mercados, cooptar é burrice.

No desespero e na ilusão de conquistar quem os trai, agências e profissionais estão matando nosso mercado.

Precisamos estar unidos. Como unidas são as agências de publicidade e propaganda (pelo menos eram até pouco tempo). Não podemos, com o intuito de ganhar mais, cobrar menos que o justo – e é isso que estamos fazendo hoje.

Pode ser que minhas previsões pessimistas estejam erradas. Aceito controvérsias. Se estiverem, ótimo, ficarei feliz em estar errado. Mas, se não estiverem, espero que nunca aconteça de sermos chamados para um concorrência na qual uma cláusula (ou cláusulas) determine quem serão os produtores e os fornecedores a serem contratados e o valor que nós, agências, devemos investir no cliente para, em caso de vitória, termos a honra de fazer o seu evento.

Achou esquisito? Pois saiba que, pelo menos, as duas primeiras já acontecem.

Até quando?