Wagner Bastos*
Duas grandes mentiras
O artigo abaixo, escrito por Jaime Troiano e publicado em 2003, e que tive o prazer de reler, ainda é bastante atual e talvez, eu diria, mais atual que na época em que foi gerado. Tenho discutido esse tema com frequência na academia e ele também me lembra bastante o conteúdo de uma palestra do brilhante Fernando Figueiredo, da Bullet, cujo título é “A TV Quebrada e os garotos perdidos”. A reflexão proposta é sobre comunicação integrada e o desafio de se encontrar o consumidor, apelando para a necessidade cada dia mais crescente de se pulverizar os budgets para as diversas ferramentas de comunicação, em especial para as ações “no media” que assumem um caráter ativo e vão ao encontro do público. Mas concordo com Troiano que a propaganda jamais vai deixar de ser uma grande vedete e acrescento que agora, com investimentos menores, é preciso acertar na mensagem e seduzir imediatamente o consumidor, fator que deverá certamente reservar espaço no mercado apenas para os competentes.
Duas grandes mentiras
Propaganda resolve tudo ou propaganda não resolve nada?
Há algumas décadas, era comum ouvir que propaganda resolvia tudo.
É dessa época a famosa expressão: “Propaganda é a alma do negócio!” A frase transformou-se em algo que qualquer consumidor diz, quando quer demonstrar sua suposta proficiência em comunicação.
Quando se dizia que propaganda resolve tudo, estávamos ouvindo uma grande mentira. Mesmo naquela época, décadas atrás, quando não tínhamos este enorme e incontável arsenal de instrumentos de comunicação, já podíamos contar com vários deles.
Marketing promocional, eventos, atividades em pontos-de-venda etc., não foram inventados hoje. Além disso, o boca-a-boca, este poderosíssimo e ainda muito pouco estudado canal de comunicação já agia em todos os mercados. Ou seja, a propaganda mesmo como filha mais velha e respeitada da comunicação não era filha única. A família de instrumentos de comunicação, que serviam como ferramentas de apoio, já era numerosa.
Com o passar das décadas, estamos começando a ouvir uma nova grande mentira: propaganda é irrelevante. O que interessa são as outras e mais modernas ferramentas de contato com o consumidor.
Cuidado: esta mentira é tão perigosa como a primeira! As duas são formas cômodas e simplistas para se pensar pouco. As duas são formas de não se aprofundar na compreensão de como se dá de fato a conexão entre consumidores e marcas. As duas têm pernas curtas.
Da época da “Propaganda resolve tudo” até os dias de hoje da “Propaganda é irrelevante”, o que aconteceu?
Aconteceram dois grandes movimentos que mudaram a configuração do mercado de marketing: um movimento tecnológico e um movimento comportamental.
O movimento tecnológico é o processo explosivo de multiplicação de mídias novas e de novas formas, as mais variadas possíveis, de contato com os consumidores. Isto é: o R&D da tecnologia de comunicação produziu centenas de maneiras novas de falar com o mercado. Algumas de eficácia discutível outras comprovadamente poderosas. Algumas com efeitos de comunicação de massa, outras com sistemas mais dirigidos de contato.
O outro foi o movimento comportamental. Este não dependeu dos profissionais de marketing e comunicação. Aliás, ao contrário: somos caudatários deste movimento e não agentes do processo.
O que é este movimento comportamental? Ele pode ser resumido assim: as últimas três décadas provocaram uma profunda fragmentação do tempo e das relações entre as pessoas. Muito mais do que em todas as década anteriores somadas. A fragmentação do tempo transformou o consumidor em alvo móvel.
Em estudo que realizamos há dois anos, na cidade de São Paulo, calculamos o home share e o street share das pessoas. Isto é, quanto tempo elas passam em casa e quanto passam na rua, escola, trabalho, lazer, compras etc. Descontado o período de sono, 70% do tempo corresponde ao street share! Mas também as relações sociais se fragmentaram. Os momentos de integração e encontro dos mesmos grupos de pessoas são cada vez mais raros. A cena da família reunida, almoçando ou vendo TV, é mais idílica do que real hoje. Ainda que continue sendo um sonho de muitos. Em lares de classes A e um pedaço da B, a existência de quartos individuais, de pequenos mundos equipados com TV, som, computador, telefone etc cresce de modo alarmante!
Esse movimento comportamental fragmentou também a relação do consumidor com mídia, é lógico. Consequência: a ginástica para se conversar com ele consome muito mais energia mental hoje.
O movimento tecnológico e o movimento comportamental, dois lados da mesma moeda, provocaram uma profunda revisão na forma de distribuir recursos de mídia. E a filha mais velha, viu boa parte de suas verbas migrarem para os irmãos mais jovens.
Assumir, porém que propaganda é irrelevante é uma mentira tão grande como foi, no passado, falar de sua onipotência. Portanto, cuidado com essa nova mentira que começa a disseminar por métodos virais. Cuidado com o sr. Al Ries, o novo “Oráculo de Delfos”, quando ele anuncia a defenestração da propaganda para ungir e coroar as relações públicas como a rainha da comunicação. Cuidado com os falsos exemplos de marcas que se desenvolveram sem um pingo de propaganda.
Por mais que seu espaço tenha diminuído no mix de comunicação, é impossível alimentar a conexão de marcas e consumidores sem propaganda. Mesmo que não seja uma atividade contínua.
Quem acha que dá, então tente! Mas depois não venha reclamar que seu consumidor está falando com o celular do Ronaldinho, ou usando lavadora que não tem comparação, ou tomando a bebida que te dá asas ou…
* Wagner Bastos é consultor, palestrante, professor da PUC-Campinas e diretor da Ampro em Campinas.