Experiência de Marca

Saí do armário e me encontrei

Ser dono de agência não era minha opção primeira. Estudei e trabalhei para fazer carreira no jornalismo.


A pressão do modelo convencional é muito forte.

Desde criança aprendemos o que é adequado, o que é palatável para o status quo.

E seguimos nessa, muitas vezes escamoteando vocações e ambições mais legítimas em prol de projetos eminentemente racionais.

Ser dono de agência não era minha opção primeira. Estudei e trabalhei para fazer carreira no jornalismo. E fiz, até que a vida me tirasse da prática diária das redações de TV e jornal para o setor de live marketing e branded content.

Por vinte anos exercitei o modelo clássico de “agência de live marketing e produção de conteúdo”. Os requisitos passam por um escritório bacana, alto astral. Um time de alto nível, dedicado. E toda a estrutura necessária ao bom funcionamento de uma operação com dezenas de pessoas e (obrigatoriamente) dezenas de clientes.

Junto com isso tudo vem a submissão às regras, cada vez menos justas, do mercado.

Porque quem tem custo tem medo.

Iniciar cada mês sabendo ser necessário gerar receitas de centenas de milhares de reais faz com que sejamos obstinados pelo faturamento, e dispostos a fazer concessões para fechar contratos que nos garantam girar a roda da fortuna.  

É uma linha tênue entre a boa gestão e o primarismo, o seguro e o inseguro, o saudável e o doentio.

Foi nesse ambiente que amadureci como empresário. Consciente de viver um modelo pouco sustentável busquei o contato com meus pares. 

Comecei a participar da Ampro – associação que congrega os players de live marketing – da qual acabei me tornando presidente nacional por dois mandatos.

Nessa posição, pude enxergar ainda com mais clareza o quanto de imaturidade e falta de ambiente justo há no mercado e nas relações entre agências e clientes, fornecedores, profissionais.

O Brasil tem uma das entregas mais encantadoras, eficazes e profissionais do Live Marketing mundial.

Mas não soube até hoje construir um cenário no qual os criadores e promotores de experiências sejam adequadamente contratados e remunerados.

As mesmas empresas transnacionais que nos mercados do primeiro mundo remuneram suas agências dignamente e celebram com elas contratos de longo prazo aqui promovem concorrências job a job, sem remunerar os participantes, e pagam taxas de fee que por vezes não atingem os 10%.

É selvagem, injusto e inviável.

Fui formando convicção sobre isso, sofrendo na pele as consequências de comandar operações voluntariamente submetidas a esse modelo. E imaginando como sair desse labirinto insalubre. Como arrombar esse armário sem abrir mão de exercitar nossa vocação.

Dei algumas cabeçadas, adotei um esquema híbrido que ficou pelo meio do caminho. Aprendi lições muito caras.

Porém, a partir do início de 2019 definitivamente achei o rumo.

Saímos do nosso escritório e passamos a ocupar um espaço num coworking bacana com estação de metrô na porta. Diminuímos a equipe fixa radicalmente. Controlamos a ansiedade (e a postura “fominha”), passamos a dizer não para a maioria das concorrências, e deixamos de buscar clientes às cotoveladas, oferecendo mundos que nos deixariam sem fundos.

Não estou dizendo que isso deve ser receita para ninguém, nem que foi tão simples e fácil assim, mas funcionou lindamente.

Priorizamos os clientes que confiam em nós para nos entregar os trabalhos diretamente, sabendo que os resultados que obteremos para eles serão excelentes e os valores cobrados serão justos.

Aceleramos nossa transformação para estender às nossas entregas o que nossa sociedade já vive no dia a dia em termos de inserção e amplificação digital.

Criamos novos produtos, ampliamos as ofertas para projetos mais estratégicos, envolvendo branding, posicionamento, plataformas completas de relacionamento. Porque, afinal, se a indústria da propaganda clássica se pretende cada vez mais “borderless”, faz muito mais sentido que nós, que nascemos já em modelos mais abrangentes e competitivos, assumamos a mesma postura.

Não vou escrever aqui que estou feliz. Porque não é possível que alguém esteja feliz num país desgovernado, em plena pandemia, na impotência de ver mil novas famílias chorando seus mortos a cada dia e com a atividade econômica praticamente paralisada.

Porém, em termos de modelo de negócio, sinto-me no caminho saudável.

O faturamento global, meio enganador, caiu bastante. Mas a rentabilidade subiu proporcionalmente de maneira interessante. Trocar o escritório de andar inteiro na Berrini pelo espaço no coworking da Avenida Paulista não nos tirou a capacidade de entregar jobs premiáveis e eficazes para nossos clientes. Mas agora com satisfação e resultados de negócio mais palpáveis também para nós.

Lá de Monte Verde, onde nossa CFO passou a morar definitivamente no que era sua casa de campo, recebo sinais de fumaça azul.

Saio de um conf call com duas pessoas de nosso time que passam, em casas diferentes do litoral de São Paulo, o tempo da pandemia, e troco e-mails com um de nossos diretores de arte, que trabalha conosco faz oito meses e nunca encontrei pessoalmente.

À noite, meu travesseiro recebe uma cabeça cada vez mais leve, e por isso mesmo mais disposta e capaz de inventar modas ousadas e desafiadoras. Para sorte de quem vive o entorno de nossa vida louca do bem.

Ilustração da capa: Superinteressante.