Ariane Feijó
Morte trágica e evento: palavras que parecem antagônicas. Só que as duas vêm se tornando corriqueiras no dia-a-dia do mercado de eventos brasileiro. Um país cheio de pessoas fabulosas e críticas, viajadas e experientes, que vai receber pelo menos três eventos globais nos próximos três anos. Se você organiza eventos, lamento informar: a tragédia do interior do Rio Grande do Sul, com repercussão global, tem tudo a ver comigo e com você.
Santa Maria virou notícia no mundo. Meu primeiro contato ontem foi na radio nacional da França, Radio France, por volta das 10h de Brasília, anunciando a morte de cerca de duzentas pessoas. O Brasil está nos olhos do mundo, e estrangeiros estão angustiados com os eventos que vem por aí, pessoas estão inseguras, com medo da violência… E elas não imaginam o perigo que correm por questões que não tem a ver com os criminosos, mas com a negliência dos organizadores. Tampouco nós próprios.
- Em 2001, 7 pessoas morreram e 300 ficaram feridas em evento no Canecão de Belo Horizonte. Lembra?
- Em 2003 jovens morreram pisoteados em Curitiba no Show pela Paz
- Mais recentemente, a Editora Abril foi condenada a pagar uma indenização milionária por um acidente no evento Quatro Rodas Experience – sem vítimas, mas aos olhos de centenas, despertando o alerta geral de organizadores. (Ou não.)
- No ano passado este outro acidente, no Paraná, durante um evento do governo também assustou – felizmente sem vítimas, mas com danos ambientais.
- Recentemente, este sim grave, afinal teve uma vítima fatal, na Marina da Glória, Rio de Janeiro chamou a atenção de todos nós.
Cinco exemplos entre outros inúmeros que você certamente lembra e eu desconheço. Também não mencionei a minha própria experiência,quando presenciei uma morte devida a uma troca de lâmpada em um renomado evento. Sim, uma lâmpada. Uma morte imbecil, pois ele não usava o seu EPI, Equipamento de Proteção Individual. Ainda, durante a delicada montagem, não havia no local ambulância privada contratada pela organização.
Certamente existem mais dezenas de histórias, grande parte abafada. Cada dia mais empresas fazem eventos e os erros são sistematicamente os mesmos. Eventos em casas noturnas, em parques, nas ruas, onde quer que seja. Lamentavelmente, segurança ainda é encarada como aquela pessoa grande que fica na porta ou monitora o trânsito dos participantes… Do chão onde as pessoas pisam até o telhado que protege as suas cabeças, no espaço aéreo sobre o qual acontece uma ação e no entorno onde se encontram para, a priori, celebrar fatos da vida – tudo é parte do tal evento.
Esta é uma dura lição aprendida graças à prática em nosso país. Eu própria nunca tive uma aula sequer sobre o tema “segurança no trabalho” na universidade. A segurança que preocupava era o roubo às pessoas, ao carro, ao caixa do bar. Ou, ainda, o desastre natural. Segurança de vidas em situação de público confinado? Nunca foi um tema tratado como deveria. Mas talvez com você seja diferente. Quem aí tá com tudo isso no checklist e chama os profissionais preparados para fazer os acompanhamentos necessários?
- prevenção de acidentes antes, durante e depois do evento,
- extintores de incêndio apropriados,
- uso de EPIs,
- simulações de emergência,
- manutenção de espaços,
- presença de equipe médica ou ambulância durante a produção, o evento e o pós,
- seguro de acidentes,
- cumprimento da legislação (aliás, quem conhece plenamente esta tal legislação?)
- …
O luto por Santa Maria não diz respeito apenas a alvarás vencidos. Tampouco diz respeito apenas às posturas negligentes ou arbitrárias dos seguranças. Ela diz respeito à atitude de assumir a responsabilidade. Qualquer situação que envolva o público representa a responsabilidade assumida por vidas de dezenas ou centenas de funcionários e voluntários, por centenas ou milhares de espectadores, fãs, pessoas em eventos corporativos ou que buscam algumas horas de diversão em eventos de entretenimento.
Tá na hora de unir esforços, pressionar o uso do poder das organizações de classe para cobrar resultados das autoridades e não apenas anuidades. Tá na hora de usar as redes sociais como as pessoas fizeram ontem, para ajudar e abrigar familiares de vítimas que ainda se encontram em Porto Alegre.
Depois que os holofotes virarem para outras paragens, não adianta dizer que a culpa do que tiver dado errado foi do governo. A culpa foi minha, foi sua e é nossa. Um presidente, sozinho, pode até viajar para acolher as famílias e chorar junto. Mas não é sozinho que constrói o país que queremos, e o mercado que merecemos.
A estrada é longa e se ainda não soubermos o que fazer para mudar, que tal nos solidarizarmos e aprendermos juntos, de forma a garantir um pós-evento que fique guardado com alegria na memória de todos? As lições estão todas aí, nos comentários, nas páginas da internet, nas matérias do jornal, prontinhas para serem aprendidas. A responsabilidade por aprendê-las diz respeito a todos nós. Quem não a quiser mais, simples: pode mudar de profissão. Mas se não mudar, não se exima da responsabilidade de não ter feito bem mais do que a sua obrigação pelas segurança das vidas do seu “target” na próxima tragédia que acontecer em um evento. Tomara que eu esteja enganada, mas não parece que esta terá sido a última.
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Promoview se solidariza com as famílias dos jovens que faleceram nesta tragédia e com todo os nossos leitores em Santa Maria e no Rio Grande do Sul
Ariane Feijó é Relações Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e editora internacional do Promoview. Acompanha eventos e ações promocionais ao redor do mundo tendo já realizando coberturas como a do Rock in Rio em Lisboa, Madri e Rio de Janeiro.
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