A credibilidade da cantora Anitta, que se tornou a primeira artista brasileira a alcançar o topo do ranking do Spotify mundial, pode estar em risco. Isso porque a plataforma de streaming indicou que pode encontrar indícios de fraude na suposta viralização da música “Envolver”.
O feito inédito foi alcançado no dia 25 de março e projetou Anitta não apenas no cenário brasileiro, como a colocou entre as grandes artistas do mundo. Naquele dia, “Envolver” chegou a tocar mais de 6,4 milhões de vezes em perfis ao redor do mundo e a música já contabiliza 146 milhões de plays.
O Rest of World, site sobre tecnologia sem fins lucrativos, indicou que existem indícios de que os fãs da cantora podem ter manipulado o algoritmo de resultados do Spotify, usando redes VPN para reproduzir a música diversas vezes usando novos IPs. É como se você estivesse usando um celular aqui no Brasil, porém “enganando” o servidor com um protocolo de usuário lá nos Estados Unidos.
Além disso, existe sempre a possibilidade de esses plays terem sido executados por robôs, que reproduziriam a música em looping. Mas esse recurso é muito conhecido pela plataforma e dificilmente os fãs exporiam sua “ídola” a esse vexame.
No mês passado, a brasileira foi alçada à primeira posição do ranking Daily Top 50 Global —algo até então inédito para qualquer artista nacional.
Só naquele dia, sua nova música, “Envolver”, foi reproduzida mais de 6,4 milhões de vezes. Até esta quarta-feira (13) a música segue rumo aos 146 milhões de reproduções. Entre assinantes e usuários da versão gratuita, o Spotify tem cerca de 381 milhões de usuários (dados do próprio serviço, divulgados em novembro de 2021).
Suspeita desde o exterior.
Como divulgou ontem Tilt, com base em dados do “Rest of World” (publicação sobre tecnologia sem fins lucrativos), há indícios de que fãs da cantora tenham utilizado métodos “heterodoxos” (para dizer o mínimo) para impulsionar o lançamento de “Envolver”.
Entre as ações dos fãs de Anitta sob suspeita estão manipulação do algoritmo de resultados do streaming, com a divulgação de métodos e uso de redes VPN para reproduzir as músicas várias vezes com novos IPs (burla o protocolo-raiz, que permite identificar um equipamento com acesso à internet); e também o possível uso de “robôs” (bots) para reproduzirem a música indefinidamente.
Há várias postagens em redes sociais entre os séquitos de Anitta no Brasil nesse sentido.
O mais grave, no entanto, é que a própria cantora participou ativamente nas redes para estimular o “engajamento”, o aumento do número de audições e até mesmo a manipulação do algoritmo.
Só no Instagram a cantora tem 64 milhões de seguidores. No Twitter e no Facebook, quase 16,5 milhões em cada.
Como informou o “Olhar Digital”, um perfil oficial de Anitta retuitou uma internauta em 14 de março passado, orientando que, para aumentar a popularidade da cantora, era preciso montar “playlists” com sua música e sempre lembrar de “usar contas diferentes no Spotify”, além de “lembrar de trocar de contas”.
Déjà vu.
No ano passado, um youtuber norte-americano, professor Scott Lowe, professor de língua inglesa e amante da cultura brasileira, também levantou suspeitas sobre o “tamanho” das reproduções e nº de comentários para o então lançamento “Girl From Rio”.
O youtuber avaliou que o lançamento do “hit” fora feito sob medida para o mercado norte-americano, mas que ele quase não via postagens de seus conterrâneos nos sistemas de comentários do YouTube, ou de outras redes.
O que diz o Spotify.
Procurado pela coluna, o serviço de streaming Spotify disse que não anunciaria nenhuma posição oficial sobre o tema desta reportagem, mas enviou o conteúdo de seus termos e condições que precisam ser aprovados por todos os artistas, personalidades e criadores de conteúdo diversos que usam a plataforma.
“Quando identificamos ou somos alertados sobre casos potenciais ou confirmados de manipulação de stream, tomamos medidas que podem incluir a retenção de royalties, a correção de números de streaming e medidas para garantir que a popularidade do artista ou da música seja refletida com precisão em nossos gráficos. O Spotify reserva-se o direito de remover conteúdo manipulado da plataforma.”
E mais:
“Colocamos recursos de engenharia e pesquisas significativos para detectar, mitigar e remover a atividade de streaming artificial no Spotify para que nada atrapalhe nossa missão de dar aos artistas a oportunidade de viver de sua arte e para que os detentores de direitos sejam pagos da maneira mais justa possível. possível para o seu trabalho. A integridade disso é incrivelmente importante para nós, porque um fluxo ilegítimo significa que há artistas honestos e trabalhadores do outro lado que são afetados.”.
Ou seja, independentemente de quem seja o produtor de conteúdo (musical, podcasts, vídeos etc), a plataforma sempre analisa as ocorrências.
A coluna teve acesso, inclusive, ao caso de um modesto músico que tem apenas uma média de 300 audições por mês, e que já recebeu uma notificação do streaming informando que, parte de suas “audições”, seriam descartadas do pagamento de “royalties” num determinado mês por suspeita de fraude.
Embora o serviço tenha todas as ferramentas para identificar “fraudes”, jamais divulga publicamente o resultado dessas investigações. Somente informa ao artista ou criador de conteúdo envolvido.
Outro lado – Anitta.
A coluna enviou pedido ao “staff” de Anitta para que comentasse o caso descrito neste texto. Não houve nenhuma resposta até esta publicação. Se isso ocorrer, o texto será atualizado.
Ontem, Paulo Pimenta, assessor-chefe de Comunicação do “staff” da artista, publicou “carta aberta” relação ao caso. Leia a íntegra:
“Muito se fala sobre “Envolver e seu sucesso que dura até hoje no top 50 global do Spotify. A primeira cantora latina a chegar a posição #1 de forma solo é brasileira e se chama Anitta.
Foi ela mesma que lá atrás uma vez me disse que uma minoria sempre tende a elevar um artista só para depois ter o prazer de diminui-lo. Infelizmente, ela tem razão. Vamos aos números de “Envolver” nos últimos 28 dias?
Reparem que o país que mais ouviu “Envolver” foi o Brasil: 38.420.876 de plays. Mas se você QUISER realmente estudar os resultados, a perspectiva muda.
Somados, os streamings dos 9 países que mais ouviram “Envolver” resultam em um número relevante e global: 42.801,64.
O Brasil é o segundo mercado consumidor de música do mundo em número de ouvintes digitais e sua população e território são continentais. Logo, existe uma lei de proporcionalidade. Seria óbvio que uma cantora tivesse tal resultado em seu próprio país? Não necessariamente. Mas, se tratando da Anitta, tudo muda de figura.
Enxergamos aqui outro fenômeno.
A cantora arrebatou seu país com um ritmo que não é brasileiro e em língua espanhola – não muito falada por aqui. Um posicionamento internacional de dentro para fora. Há quem diga que os fãs brasileiros ouviram muito Envolver. Mutirão.
Mas, isso é ruim? Vale ressaltar que Anitta tem mais ouvintes mensais nos Estados Unidos do que grandes cantoras americanas – é só QUERER pesquisar. Algumas poucas notícias sobre Envolver ainda podem revelar a teoria citada no início do texto.
Mas, ainda bem que a matemática não mente e que a grande maioria dos brasileiros ainda tem orgulho dos artistas nacionais e se envolveu com a Anitta ao ponto de quebrarem juntos barreiras nunca antes ultrapassadas. Paulo Pimenta, assessor de comunicação e imprensa de Anitta.”.
Especialistas.
Para dois paulistanos especializados em direitos autorais — a advogada Fernanda Rosa Picosse (propriedade intelectual), e o engenheiro Alexandre Trinhain (marcas e patentes)—, Anitta pode ser duplamente prejudicada com o caso.
1) Sua imagem ficar arranhada caso se comprove a manipulação;
2) Embora mais improvável, pode até ser banida das plataformas, além de não receber os royalties pelas reproduções que sejam comprovadamente fraudulentas.
“Esse tipo de fraude gera prejuízo financeiro para a plataforma, pois gera reproduções “fakes”, resultando em pagamentos de royalties que, nesse caso, seriam indevidos”, afirmam.