N* era um office boy interno de uma agência de publicidade. Com a curiosidade e simpatia de um adolescente de 17 anos, N* era superbem recebido em todos os lugares que entrava para entregar correspondências, encomendas de açaí com banana, pastas com materiais de gráfica, notas fiscais, catálogos do Image Bank e tantas outras coisas.
A agência era grande, um andar inteiro no alto de um prédio todo envidraçado na Berrini. Naquela época, como hoje, o bacana era ter um mix variado de contas e muita veiculação em TV, jornal, revista; mídia exterior resumia-se a outdoor e painéis em traseira de ônibus; painéis de LED já existiam, mas eram poucos e ninguém dava muita importância.
N* sempre batia na porta antes de entrar: nessa época, cada departamento tinha paredes e portas, e pessoas de outras áreas nem sempre eram bem-vindas, porque atrapalhavam, palpitavam ou desconcentravam os caras. Ele chegava de mansinho, fazia a sua entrega, e perguntava o que estava rolando na tela incrivelmente nítida daqueles iMacs de cores vibrantes.
Pessoas por trás daquelas paredes estavam focadas em suas entregas e compromissos com o cliente. Meio que isoladas, como se habitassem pequenos feudos, faziam parte de um esforço em entregar a melhor estratégia e superar metas.
Mais ou menos por essa época, pouco a pouco, as paredes deram lugar aos “aquários”, paredes de vidro que ainda isolavam, mas pelo menos era possível se comunicar com os “peixes” por gestos ou sinais de fumaça quando necessário.
Sim, acredite: estamos no século 21, por volta do ano de 2005, e pouco menos de 15 anos nos separam daquela época, mesmo que a percepção nos remeta a um passado muito mais remoto.
Alguém já naquela época, dando um passo à frente, se perguntou por que não juntar as pessoas, aproximar as habilidades e agilizar a coisa toda? Assim surgiram os “mesões” de trabalho, com criação, mídia, atendimento, planejamento e convidados dividindo espaço, conhecimento, competência e, principalmente, ideias.
Nesse tempo, pouco antes do digital estabelecer uma nova forma de viver, trabalhar e produzir, já dava para prever, mais ou menos, como trabalharíamos no futuro. Na verdade, os “mesões” são o pai do que vemos hoje nas agências: todos juntos, próximos, sem paredes, vidros, portas ou muros.
Penso que o “tudo junto e misturado” é uma forma revolucionária de trabalhar que desconstrói padrões e entrega colaboração, juntando experiências e competências, misturando aprendizados e somando conhecimento.
O fenômeno do digital nos levou para fora da casinha, e acho que somos melhores assim.
Digo que sou bem sortuda em conhecer os dois lados desse mundo, acompanhar as muitas transformações, e por ter vivido histórias incríveis de um universo único.
Qual o meu mundo preferido? Para muito além de todo o aprendizado de ontem e de hoje, não tenho a menor dúvida!
P.S.: a curiosidade de N* o levou longe, e ele se tornou um grande diretor de arte.
Esta também é uma história real.