O sucesso da indústria de eventos tem no acompanhamento da evolução humana uma de suas principais características, evocando comportamentos, estilos e condutas conforme sua cronologia.
Os eventos, propriamente, têm um fascinante ciclo de vida, pois jamais morrem, apenas ficam adormecidos, aguardando um novo momento de serem despertados, adaptados a uma nova realidade e … novamente estarão entre nós!!
Muitos eventos tradicionais continuam a exercer grande fascínio em seu público-alvo pois não permitiram que os mesmos atingissem um estágio de declínio, pois seguiram novas tendências e incorporaram conceitos atuais.
Um clássico exemplo de um evento que vem há algum tempo buscando reencontrar-se com o público é o Concurso de Miss Brasil – um acontecimento que tem como objetivo eleger a representante do gênero feminino mais bonita do país para participar de outros concursos no Exterior.
Ao completar sua 65ª edição, o evento há décadas perdeu seu glamour e sofisticação que outrora chegava a criar uma verdadeira comoção no país, com direito a torcidas organizadas pelos Estados das candidatas e elevados índices de audiência quando transmitidos pela televisão.
Um regulamento rígido e seletivo era um dos principais tópicos de confiabilidade e credibilidade que a comissão organizadora ostentava com muito orgulho, não permitindo a participação de moças que não se enquadrassem nos padrões exigidos.
Aulas de comportamento social, postura, elegância eram oferecidas como reforço ao time das beldades que disputavam o tão sonhado título de ser coroada a mulher mais bonita do país.
O romantismo e a ingenuidade do início dos primeiros concursos não eram mais adequados à nova realidade da sociedade, principalmente das mulheres, que começavam a ter uma participação maior no mercado de trabalho e não mais almejavam, simplesmente, serem reconhecidas como o sexo frágil, belo e delicado.
Profissões relacionadas ao mundo da moda e da estética lançavam ao estrelado moças – cada vez mais jovens – que obtinham de forma mais rápida seus quinze minutos da fama, os quais Andy Warhol projetou que todos os seres humanos tinham o direito de receber.
O concurso começou a ser encarado como algo conservador e muitas vezes como algo “brega, “careta”, fora do seu tempo. Os interessados em patrocinar o evento, já não tinham chances de grande visibilidade junto ao público que diminuía a cada edição.
As concorrentes também pareciam desaparecer, ou melhor, optavam por outros concursos que a elevavam à categoria de modelos ou top models, com maior projeção e incentivo à carreira.
A década de noventa foi o completo ápice do declínio do evento, pois sem patrocinadores, sem cobertura televisiva, os obstáculos para a realização do concurso eram enormes e o roteiro do mesmo continuava a se espelhar nas diretrizes da década de 50.
Sua sobrevivência até os dias de hoje é fruto de um trabalho de determinação de alguns profissionais que almejam algum dia trazer de volta a nostalgia de outrora.
Em 2003, a TV Bandeirantes negociou os direitos de transmissão e concordou em investir na tentativa de recuperar o brilho e a importância do concurso para o país. Convocou, até mesmo, para difícil, mas não impossível missão, o consultor Paulo Borges, idealizador da SP Fashion Week e de inúmeros outros bem sucedidos eventos do mundo fashion.
A emissora continua com esse investimento, e um dia depois das comemorações do Dia Internacional da Mulher, em 08 de março, transmitiu a edição de 2019 da franquia Miss Brasil Universo, diretamente do São Paulo Expo.
Aliás, o nome do evento no país é outro: Miss Brasil Be Emotion… é o naming right que chegou ao tradicional concurso de beleza.
O CEO da Polishop, João Appolinário, proprietária da marca Be Emotion declarou dias antes que: “Nós criamos uma outra linguagem. A ideia foi modernizar e trazer o concurso mais perto do mundo fashion da moda, e atribuir o glamour que, da minha maneira de ver, não estava sendo aplicado no formato antigo. É outra produção, outra forma, outra pegada, com uma bancada de jurados ligada à moda e beleza.”
Mas ,infelizmente, os moldes da produção não surpreenderam em nada… pelo contrário, em alguns momentos, o evento se identificava mais como uma convenção da Polishop, com direito a bandeirolas nas mãos dos convidados, nitidamente, arremalhados entre colaboradores e clientes das marcas. Fato que demonstra a necessidade ainda de maior lapidação conceitual, cenográfica e de cerimonial.
A fluidez do evento não existiu e gerou momentos de pura monotonia. O corpo de jurados, apesar de contar com alguns grandes nomes do mundo da moda e beleza, não apresentava credibilidade plena e quase não teve participação real no concurso.
Porém, o que realmente foi coroado nessa edição foi a sinergia do resultado com as demandas comportamentais da sociedade moderna.
A vencedora, Miss Minas Gerais 2019 – Júlia Horta, demonstrou não só beleza física, mas sobretudo uma personalidade forte, carismática, sagaz e empoderada, com um discurso empolgante e muito moderno.
Em um mundo globalmente diversificado, o algo a mais sempre ganhará destaque, demonstrando que a beleza física deve também ser emoldurada por outros tipos de belezas que extrapolam o olhar e chega ao coração.
Com 24 anos de idade, formada em Jornalismo, a Miss Brasil 2019 é apresentadora, influenciadora digital e palestrante e encantou a todos os presentes e os espectadores virtuais, que, inclusive, foram responsáveis por meio de uma votação on-line, de posicioná-la diretamente entre as semifinalistas, uma inovação, demonstrando cada vez mais a importância de ampliar cada vez mais a interatividade e o engajamento da audiência.
É claro que não se pode almejar resgatar o mesmo nível de interesse que esse tipo de concurso já teve no passado, mas é nítido, que ao ser trabalhado por meio de novas premissas, pode vir a cativar um novo público e gerar resultados de projeção bem dirigidos alinhados com os novos tempos.
Vamos aguardar a próxima edição, já desejando a Júlia Horta sucesso em sua trajetória internacional como representante brasileira, pois por aqui já deixou seu nome na história, por ser uma candidata disruptiva, em que as polegadas a mais não são critérios austeros de definição de méritos, valendo outras percepções, afinal, a sociedade evoluiu e a simbologia mulher-objeto está cada vez mais sendo desconsiderada, dando lugar ao verdadeiro empoderamento da mulher de fibra, que faz a diferença onde ela quiser, em qualquer papel, inclusive no de Miss.