“Encontrei o meu pedaço na avenida de camisa amarela
Cantando a Florisbela, a Florisbela”
Ary Barroso
Iniciar um artigo com uma citação de tão grande expoente de nosso cancioneiro é uma responsabilidade enorme. Mas, quando me veio a inspiração, com relação às discussões sobre a camisa amarela, não resisti.
Por isso, peço licença, e ainda me aproveito de um texto maravilhoso para situar os meus leitores no tempo e no espaço, apenas para pontuar as diferenças:
Tal como “Camisa listrada”, “Camisa amarela” é uma curiosa crônica de um episódio carnavalesco carioca. Na letra, uma das melhores de Ary Barroso, a protagonista narra as proezas do amante folião, que volta sempre aos seus braços, “passada a brincadeira”.
Procurando dar uma impressão de realidade à história, Ari chega a localizá-la no tempo e no espaço, com a citação de músicas do carnaval de 39 – “Florisbela” e “A jardineira” – e lugares do Rio – o Largo da Lapa, a Avenida (Rio Branco) e a Galeria (Cruzeiro).
Na história contada neste lindo samba-choro, Mestre Ary nos coloca o fato e, em seguida, o perdão que no fim a protagonista, que é quem nos relata o desenrolar dos acontecimentos, acaba concedendo ao amado, pois afinal tratava-se de mais uma história de carnaval.
Pois bem.
A CBF, pressionada por se posicionar, o fez com maestria. Soltou uma nota protocolar, não dando muita importância ao fato, numa clara tentativa de dizer algo do tipo: vamos tratar de outro assunto. A imprensa, porém, continua com os questionamentos. Como sou um crítico da falta de posicionamento de empresas patrocinadoras, autoridades esportivas, atletas e dirigentes em relação ao marketing em nosso futebol, considerei importante oferecer minha visão.
Outro dia, no carro, ouvia uma entrevista do ex-presidente do STF, Ministro Ayres Britto, em que ele dizia que precisamos tomar cuidado para não assassinarmos a democracia tomando medidas drásticas, que podem fazer com que tenhamos que assistir a esse funeral. Invoco esse mesmo espírito em relação aos fatos envolvendo as camisas que foram utilizadas naquele fatídico evento.
Ora, senhores, primeiramente devemos pontuar que as variadas camisas amarelas usadas certamente ajudaram na precipitada conclusão de que a imensa maioria vestia a camisa que imortalizou tantos craques do nosso futebol. Cheguei a ler que havia sido enviada uma correspondência para quem produz as camisas, solicitando que fosse pensada alguma solução para o fato em si. Fico imaginando como teria sido uma reunião para se pensar em alguma solução, se é que ela aconteceu. Quem ousaria, em sã consciência, propor que a camisa amarela voltasse a ser branca ou se tornasse verde? Ou mesmo que passasse a ser listrada?
Meu ponto é simples. Vamos mudar um símbolo cinco vezes campeão mundial por causa do que aconteceu? Vejam, a invasão da Praça dos Três Poderes foi um fato gravíssimo, não tenho a menor dúvida. Entretanto, ali também havia pessoas enroladas na bandeira brasileira, com ela pendurada nas costas, servindo de máscara e outros usos semelhantes. Seria o caso, então, de revisitarmos a nossa bandeira e propor um novo design para ela? Esse, talvez, seja um dos poucos casos em que o hábito não faz o monge. E mais ainda, não seria dar muito mais destaque a quem só é digno de uma foto na página policial?
Nossa seleção pentacampeã merece respeito. Nossos outros atletas que representam o Brasil pelo mundo com camisas amarelas também. Por que então essa pressão para que a CBF se manifeste? Uma situação difícil, mas, primeiro, a confederação já se manifestou e, segundo, me parece que não existe potencial para se estender.
Lembro a todos que tenho direito à minha opinião e a desenvolver meu raciocínio. Claro está também que todos têm a possibilidade de divergir. Se isso realmente acontecer, não terei problemas. Afinal, será só trocar o autor do samba:
Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí
Em vez de tomar chá com torrada ele bebeu parati
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão
Assis Valente
Deixem a CBF trabalhar na constituição da nova comissão técnica de nosso time. Já é trabalho suficiente.