No contexto “Planilha e Prazo”, grandes empresas tornam frágeis as cadeias produtivas, não estimulam a concorrência e contemplam a destruição sem estratégia de futuro.
Em 2 de maio, a parte consciente do planeta registrou o Dia Mundial do Enfrentamento ao Assédio Moral. Uma data importante para a luta dos que defendem a vida e a liberdade.
Todos conhecem os aspectos nocivos das situações de assédio. Mas ainda não atentamos para a extrema gravidade do assédio que existe entre empresas.
Há um comportamento na relação cotidiana de clientes com agências de comunicação gerando efeitos colaterais perversos no segmento. Infelizmente, já estão na normalidade os exemplos que seguem.
Cliente solicitar — aliás, solicitar não, exigir — na sexta-feira à tarde, um job ou sua correção para a reunião de segunda-feira às 9h. Ou de um dia para outro com direito a virada de noite. Sem remuneração adicional, é claro.
Concorrência com dez agências para um cliente que se dá ao direito de ter a propriedade intelectual do objeto do trabalho de cada uma das agências. Absurdo “triplo carpado”, pois, além da quantidade inexplicável de players, não remunera nem indignamente, muito menos dignamente.
Empresa bilionária, listada em Bolsa — ou mesmo uma empresa média —, paga a agência em 120 dias. Se fossem apenas as taxas e valores de remuneração, mas o jogo é mais pesado.
A exigência é que a agência financie o cliente pagando a cadeia dos fornecedores, também em 90 ou 120 dias. “Ah, mas a agência tem a oportunidade única de antecipar os recursos com desconto do ‘custo do dinheiro’.” Onde? No próprio cliente! — imoral! Tenho um amigo fotógrafo que recebe sua diária de R$ 1 mil ou R$ 1,5 mil em 120 dias! — desumano?
Em pleno Século 21, tratamentos desrespeitosos, com gritos e humilhações nas relações entre os profissionais cliente-agência ou ainda nas hierarquias dentro das próprias agências.
Inexistência de feedback pelo trabalho encomendado, ou de concorrências realizadas, com investimento de tempo e recursos por parte das agências.
Encomenda de um trabalho que o cliente sabe que não será executado ou convite para concorrências, na qual o cliente já tem o escolhido.
Poderia continuar nos exemplos por páginas. Quem atua nesse mercado se reconhece e sabe que esse é o cotidiano, com casos bem claros ou velados, mas reiterados.
Honestamente, todos esses exemplos e tantos outros caracterizam assédio moral corporativo.
Sou totalmente favorável ao livre mercado, que gera concorrência, fortalece as relações comerciais, e traz inovação e riqueza. Porém, essa visão não pode incluir um contexto no qual grandes empresas oprimem e tornam frágeis as cadeias produtivas do mercado de comunicação, não estimulam a concorrência e contemplam a destruição apenas com propósito de margens sem estratégia de futuro.
Esse comportamento volta decepando, como no efeito bumerangue, a qualidade das entregas e a otimização de preço dos produtos e serviços. Pior ainda, em alguns casos, acarreta gastos extras para ações ou campanhas sem resultados.
Tudo virou uma Planilha e um Prazo, os dois novos “Ps” do marketing.
A busca neurótica de resultados de curto prazo, com visão apenas no ano em vigor, ou pior, apenas no trimestre (quarter), deixará terra arrasada. São as empresas extrativistas modernas, que atuam se justificando pelas práticas de mercado e necessidade de respostas para acionistas. No longo prazo da destruição, normalmente, seus executivos já receberam o bônus e não estarão mais lá para justificar as tais estratégias.
Entendo que a verdadeira e plena competição acontece em segmentos da base da economia. É fato que as fusões e aquisições, fruto dos avanços do capitalismo, geraram a diminuição das concorrências reais, e um efeito desproporcional nas relações comerciais com a cadeia de fornecedores.
Não sou contra a competição, muito ao contrário, minha carreira inteira foi construída nesse ambiente. Alerto e aponto para o que entendo deve ser o próximo debate do capitalismo moderno: Competição Sustentável x Práticas Moralmente Aceitas x Trabalho.
Recentemente, Ken Fujioka, Ana Paula Cortat e outros profissionais do Grupo de Planejamento deram uma contribuição excepcional ao mercado, aos profissionais e à sociedade com a pesquisa sobre Assédio Sexual nas Agências e nas relações de profissionais de clientes e agências. Inspirador e importante que esse movimento continue na correção das distorções do segmento, as quais são jogadas para debaixo do tapete.
Existe assédio moral corporativo travestido de várias formas. Todas costuradas pelo poder econômico e longe das práticas saudáveis da livre concorrência. É essencial que os profissionais de agência e de cliente olhem as práticas ao seu redor e façam essa reflexão, não para julgamentos passados ou exposição de marcas, mas para construção de novos pactos futuros e melhores resultados para toda a cadeia. Afinal, o mercado de comunicação brasileiro é um patrimônio do nosso país tanto pela sua contribuição à democracia econômica quanto pela prestação de serviços de altíssimo nível.