O desenvolvimento da realidade virtual num grau de cada vez mais vasto traz, juntamente com possibilidades acadêmicas, profissionais e especialmente de lazer, muitas vantagens, mas também grandes problemas. E um deles são os comportamentos tóxicos e abusivos predominante nas redes sociais e que avançam para os novos ambientes virtuais. E o maior questionamento hoje vai muito além de como serão criados os códigos para programação para o novo ambiente virtual.
A grande dúvida é sobre quem vai ditar o lado ético, social e civilizatório das coisas em um ambiente que ainda não tem nada estabelecido? Como serão feitas as leis desse mundo? Como será a ética dos creators e influenciadores no metaverso? As marcas já estão apostando alto em suas presenças lá dentro e que serão muito inovadoras e criativas, mas logo ali esta questão social vai se impor.
Veja como isso está acontecendo.
Tanto nas plataformas de videojogos como em ambientes imersivos como o Metaverse promovido pelo Facebook, já começaram a ocorrer comportamentos em que, protegidos pelo anonimato, os utilizadores aproveitam os seus avatares virtuais para os transformar num veículo de abuso, ofensas, bullying e discurso de ódio sofrido por outros utilizadores que se tornam objeto dos seus ataques.
Veja também: Cinco tópicos para reflexão sobre o novo mundo que começa em 2022
A-situação chegou ao ponto de, numa plataforma virtual, o VRChat, ter sido contado a cada sete minutos um comportamento abusivo, de acordo com a organização sem fins lucrativos Center for Countering Digital Hate.
O fator adicional com o assédio em ambientes imersivos é que, pela própria natureza da realidade virtual, as ações de abuso e comportamentos violentos que se desenvolvem contra avatares transferem para o utilizador uma perceção física, embora virtual, muito mais intensa do que a que acontece nas redes sociais através de texto, sons ou imagens.
A situação desenvolve-se assim como as redes sociais estão a incorporar vários mecanismos de combate e prevenção do assédio, o que forçou que, durante a apresentação do metaverso, o ecossistema virtual do Facebook, o seu CEO, Mark Zuckerberg, garantiu que seriam adotadas as medidas adequadas para combater este tipo de comportamentos neste ambiente virtual e anunciou um investimento de 50 milhões de dólares para desenvolver mecanismos a este respeito, além de ter pedido aos seus funcionários que testem voluntariamente o funcionamento do metaverso.
No entanto, um dos executivos da Meta, Andrew Bosworth, CTO desta divisão, escreveu um relatório interno no qual alertava para a impossibilidade prática de moderar a totalidade do que os utilizadores dizem e fazem no metaverso do Facebook. Em todo o caso, a porta-voz da Meta, Kristina Milian,
Governança
Os metaversos serão um espaço digital legislado como qualquer outro? A especialista Caroline Laverdet em entrevista ao Ethereum World considera que a lei se aplicaria perfeitamente a eles: “Só porque você está em um mundo virtual não significa que a lei não se aplique. É verdade que alguns usuários, por estarem atrás de um avatar em um mundo virtual, esquecem que a lei é algo a que também estão sujeitos”, lembra a advogada.
A especialista em direito em mundos virtuais também admite que o legislador ainda tem que cobrir algumas falhas na malha legislativa. “Em primeiro lugar, existe o problema internacional, nem todos os países têm as mesmas regras no que diz respeito à lei da Internet. Então, quando você quiser vestir um avatar, pode querer recriar marcas, fazer falsificações, portanto problemas em termos de propriedade intelectual. Também pode haver questões em termos de direito do trabalho, direito penal…
Por outro lado temos a questão da “herança virtual”. “No Facebook, medidas estão sendo tomadas em caso de morte de um usuário. E quanto ao Metaverso? Quem herda se um empreendedor virtual morrer enquanto coleta milhares de moedas virtuais, conversíveis em dinheiro real? O editor? O cônjuge do empresário? E se seu avatar levava uma vida dupla, qual cônjuge é o principal?”, contemporiza Caroline.
Mas o que se vê até aqui é desinteresse das autoridades internacionais em debater estas questões que o metaverso representa. “Trata-se de um termo que o corpo político não conhece. Isso é muito novo e, como os políticos franceses e europeus estão muito ligados às questões mais tradicionais da estrutura digital, a noção de realidade virtual ainda não está no radar dos tomadores de decisões políticas”, lamenta Caroline.
Os projetos do metaverso vão superar, de longe, os atuais universos digitais de videogame. Embora ainda não sejam reais, já possuem questões econômicas e ambientais, e também questões de soberania dos Estados, que devem acompanhar o assunto de perto para não legislarem tardiamente, como foi o caso das redes sociais.