Experiência de Marca

Crise agrava atrito entre lojistas e shoppings

Queda nas vendas somada aos altos custos de aluguel acentua fechamento de unidades em centros de compras no Estado e no país

A retração nas vendas provocada pela recessão e a manutenção de altos custos de aluguel e outras taxas levou a um grande número de fechamento de lojas em shoppings centers no Estado no ano passado.

A situação, agravada pela queixa dos varejistas de que não conseguem renegociar termos com os centros de compras, alimentou um atrito entre as duas partes que ganhou força na Capital nos últimos dias e ameaça espalhar mais tapumes, chegando a outras cidades gaúchas.

Advertisment

Estimativa da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL-RS) feita a pedido de Zero Hora indica que, em 2016, os shoppings no Estado perderam 1.023 lojas, queda de 12,91% ante o ano anterior. 

O quadro é similar a nível nacional. Estudo da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop) divulgado no final do ano passado mostrou que, em todo o país, 18,1 mil estabelecimentos fecharam as portas, a primeira retração em 12 anos. 

Em Porto Alegre, onde o conflito ganha corpo, a taxa média de vacância subiu de 9,96% em 2015 para 12,54% ano passado, aponta a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), que capitaneia a mobilização.

A principal queixa dos varejistas é a cobrança de uma espécie de 13º aluguel, custo criado devido ao histórico de salto das vendas no período que antecede o Natal. O problema é que, nos últimos anos, com a economia em crise, a afluência de clientes não faz frente à despesa.

Os outros pontos de discordância se referem à falta de transparência na prestação de contas condominiais – como luz, água e segurança – e a dificuldade de abrir negociação para reduzir custos de aluguel e fundo de promoção.

A empresária Nilva Bellenzier, coordenadora do grupo denominado CDL PoA Shopping, criado para tratar da questão, reclama da insensibilidade dos gestores dos centros comerciais frente à nova realidade.

– Os lojistas estão em situação delicada, caótica. Vislumbramos o fechamento de mais lojas. Eles (os shoppings) precisam abrir mão um pouco dos lucros – pondera Nilva.

E os afetados não são apenas pequenos comerciantes. No BarraShoppingSul, na Capital, a Lojas Colombo, uma das maiores redes do Estado, encerrou as atividades no final do ano passado. 

O shopping, onde a discórdia com os lojistas se manifestou ainda antes do Natal, foi procurado, mas preferiu não se manifestar.

Outro levantamento da FCDL indica que, dos 6,5 mil empregos perdidos pelo varejo gaúcho no ano passado, 4,83 mil foram verificados nas cidades que concentram shoppings.

– Em lojas de rua, as negociações têm levado à redução dos aluguéis – diz o presidente da FCDL, Vitor Koch.

O diretor de Relações Institucionais da Alshop, Luiz Augusto da Silva, diz que há uma preocupação nacional com o tema e já foram realizadas reuniões com administradoras de shoppings para tratar do assunto. 

Algumas são mais maleáveis, outras não, afirma o dirigente. Ele observa ainda que, em alguns casos, a falta de concessões se deve ao volume de vendas dos lojistas abaixo do esperado pelo centro de compras. 

Assim, forçam a saída de quem não consideram rentável, à espera de uma operação mais lucrativa. Mas, no caso dos bons lojistas, o indicado seria de ser flexível.

– O contrato de locação precisa ser melhorado, adequado ao novo equilíbrio de forças. Antigamente, era muita loja para pouco shopping. Essa relação mudou, e isso tem de estar no contexto – entende Silva, lembrando que a queda das vendas provocada pela recessão também deveria ser levada em conta.

Existiam, até novembro do ano passado, 558 centros de compras em operação no país, segundo a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). Dez anos atrás, eram 363. Outros 30 devem abrir neste ano.

O questionamento sobre os custos nos shoppings começa a ter novas adesões. Na quinta-feira, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes no Estado informou que se soma ao movimento. 

Para a diretora-executiva da entidade, Thais Kapp, chegou a hora de as administradoras dos empreendimentos revisarem a postura.

Reclamações no Interior

Apesar de a insatisfação ainda não atingir os níveis observados na Capital, em algumas cidades do Interior, de maneira informal, o descontentamento com os custos para operar nos shoppings também começa a aparecer.

 Em Santa Maria, onde há três centros de compras e um novo deve ser inaugurado em abril, a presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do município, Marli Rigo, diz já ter ouvido queixas de varejistas relacionadas a aumento de valores, em plena crise:
– Os administradores de shopping terão de reavaliar essa situação, como o aluguel dobrado de dezembro. Os lojistas não estão conseguindo arcar com todos esses custos.

Embora não exista levantamento preciso, Marli sustenta que a taxa de vacância nos shoppings de Santa Maria aumentou no último ano.

 E suspeita que, passadas as promoções de verão, alguns empresários poderão repensar suas operações. A entidade, entretanto, ainda não foi acionada pelos associados.

Em Caxias do Sul, também aparecem cada vez mais tapumes, diz o presidente da CDL da cidade, Ivonei Pioner. Para o dirigente, negociar com os grupos maiores tem sido mais difícil em comparação com as conversas com administradoras de menor porte. Mesmo assim, classifica como "leoninos" os contratos, com série de deveres para os lojistas e poucos direitos.

– As vendas de Natal não são como já foram, quando as vendas dobravam. Há uma nova realidade – observa Pioner, também se queixando do 13º aluguel.

Assim como em Santa Maria, porém, não há um movimento organizado para tratar do tema.

Entidade rejeita pressão conjunta

Apesar de os lojistas reclamarem que não conseguem abrir negociações de forma individual com os administradores, para a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), a melhor alternativa para contornar as dificuldades dos varejistas é o diálogo caso a caso.

O presidente da entidade, Glauco Humai, entende que as reivindicações coletivas encaminhadas pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) da Capital em carta aberta divulgada na quinta-feira dificilmente serão atendidas de forma generalizada. Dessa forma, a mobilização não vai funcionar, afirma o dirigente.

– Não podemos tratar os desiguais de forma igual. Alguns lojistas têm crescido, apesar da crise. Cada cidade, cada shopping, cada lojista tem uma realidade. Não há como dar o mesmo tratamento para todos – diz Humai, que rebate a afirmativa de intransigência e sustenta que o diálogo tem sido mantido.

A reclamação do 13º aluguel repassado aos shoppings é relativizada por Humai. De acordo com o dirigente, essa foi uma fórmula adotada há muito tempo para concentrar de forma sazonal o pagamento de acordo com a melhor época de vendas de cada segmento, facilitando o fluxo de caixas das empresas. Caso contrário, afirma, esse valor teria de ser diluído ao longos de todos os meses.

Humai avalia ainda que, em épocas de crise, é natural o descontentamento em relações comerciais e tentativas de renegociação. Mas pondera que, assim como os varejistas lidam com custos, os shoppings também têm uma programação financeira de pagamento de financiamentos e credores. 

O presidente da Abrasce avalia que, em vez de discutirem a relação em crise, as duas partes deveriam se unir para pressionar por soluções estruturais para o país em pautas como legislação trabalhista, burocracia e tributos.

– Essa crise afeta a todos. Mas negociações estão acontecendo. Se não, a taxa de vacância média do país, de 4,6%, teria subido muito – diz.

Em relação a 2017, a entidade avalia que será um ano difícil, mas melhor do que o ano passado. A queda da inflação e a perspectiva de corte mais acelerado do juro pelo Banco Central, facilitando o consumo, são vistos como fatores positivos. Por outro lado, lembra Humai, há a perspectiva de que o desemprego ainda vai crescer.

"Tentei negociar várias vezes"

Além de custos considerados altos, quem tem negócios nos shoppings da Capital demonstra contrariedade com o tratamento quando busca renegociar termos do contrato ou alívio financeiro momentâneo.

O empresário Giovani Machado, franqueado de uma rede de restaurantes de saladas e sucos naturais, fechou uma unidade no ano passado no Moinhos Shopping.

 Além do alto desembolso, equivalente a 28% do faturamento bruto, havia problemas como falta de clareza na hora de cobrar custos condominiais e incompreensão em relação às dificuldades, conta Machado.

– Tentei negociar várias vezes esse 13º aluguel, mas nunca tive resposta. Não te dão abertura, não querem saber. Não estão nem aí – lamenta o empresário, lembrando que o contrato por adesão, em que os lojistas apenas aceitam os termos propostos pelos shoppings, dão pouca margem para buscar melhores condições.

Machado tem outros dois pontos em shoppings. Um da mesma franquia e outro de uma cafeteria. Os franqueadores, reclama, também não dão apoio nos pleitos. O empresário vive agora um dilema. Pensa em colocar um ponto na rua. Mas aí surge outro inconveniente:

– O problema é a segurança.

Procurado, o Moinhos Shopping informou que não se pronunciaria devido à "política de comunicação preservar a confidencialidade de negociações comerciais."

Também engajada na discussão com os centros de compras, a diretora para a Capital e Região Metropolitana da Óticas Diniz, Rita de Cássia Oliveira Lisboa, tem pontos em cinco shoppings de Porto Alegre. Diz que, caso não consiga melhores termos, terá de adotar o mesmo caminho seguido por outros lojistas:

– Se não acontecer alguma mudança, vamos ter que fechar alguma loja.

A executiva diz também lamentar, além dos custos, "a forma fria" como é recebida quando tenta tratar do tema. Em meio à crise, o faturamento vem caindo, mas os custos foram mantidos, relata.

Em Rio Grande, temor após a euforia

Não bastasse a recessão que assola o país, os dois shoppings de Rio Grande, no sul do Estado, vivem um drama potencializado. Foram anunciados e começaram a ser construídos quando a cidade vivia o boom econômico do polo naval que florescia, e entraram em operação quando os negócios dos estaleiros, tragados pela crise da Petrobras, começaram a ir a pique.

Inaugurado em novembro de 2015, o Partage tem hoje 70% de ocupação, diz o superintendente do empreendimento, Celso Couto. Ou seja, quase um terço dos espaços está vazio. 

O fluxo de pessoas até subiu 13% em dezembro em relação a igual mês do ano anterior, mas o desafio é transformar esse movimento em compras. No critério de vendas de mesmas lojas (sem incluir novos estabelecimentos), há empate, diz Couto:

– Não é o que a gente esperava. Mas, hoje, empatar significa ganhar.

A saída para driblar a crise é apostar em eventos, atraindo mais pessoas ao shopping. E torcer para que outros investimentos previstos para a cidade, de alguma forma, compensem o naufrágio do polo naval.

O presidente da CDL da cidade, Luiz Carlos Teixeira Zanetti, adota o mesmo tom. A esperança está em outros projetos da área industrial e de energia previstos para o município. 

Porém, por enquanto, o movimento traz frustração para os lojistas dos shoppings, admite Zanetti.

Aberto desde abril de 2014, o Praça Rio Grande, precursor na cidade, não divulga a taxa atual de vacância (locais não ocupados). O shopping informa apenas que encerrou o ano passado com o mesmo número de lojas de 2015 e afirma ter a perspectiva de aumentar a ocupação ao longo de 2017 para chegar a dezembro com cerca de 90% do espaço disponível comercializado.