Berlim é uma cidade com uma longa e complexa história; teve muita guerra, teve Hitler, teve holocausto, teve os soviéticos e teve o muro.
Essa horrorosa construção que serve para a gente lembrar que o socialismo é uma utopia, até bela em teoria para alguns, mas que na prática precisa de cercas, muros e soldados para impedir as liberdades individuais.
A Alemanha é um dos países que mais fez besteira na história da humanidade, mas, como bem lembrou o atual diretor do Humboldt Forum e ex-diretor do British Museum, o britânico germanista Neil McGregor, ao contrário da Inglaterra, que não fica atrás em termos de barbaridades, o povo germânico tenta aprender com os próprios erros. E faz a lição de casa para não esquecer.
Berlim tem igrejas e mosteiros bombardeados e deixados assim mesmo, tem memoriais por todos os cantos, museus de história que não acabam mais e, como não poderia deixar de ser, pedaços que restaram do muro.
Uma dessas partes fica no Mauer Park, no bairro de Prenzlauerberg. Por décadas, grafiteiros pintaram e repintaram essas paredes tentando transformar algo intrinsecamente horrível em beleza. E, olha, eles conseguiram. Incansáveis, todo final de semana estão lá, munidos de sprays e pinceis. Eles expressam todo tipo de sentimentos, questionamentos e experiências com formas e cores. Como não admirar?
De tempos em tempos, as camadas de tinta começam a pesar e despencam, como uma capa cansada de se sustentar. As lascas, cheias de história, também carregam uma infinidade de cores e texturas. Cada pedaço é único.
É claro que, curiosa, não deixei passar batido esses detalhes. Fascinada pela diversidade, cultura e história da cidade onde moro desde 2011, fotografo as paisagens do cotidiano da capital alemã todos os dias. Atraída pelas cores e texturas, comecei a fotografar de perto essa infinidade de esses pequenos pedaços de muro que já não são mais.
Foi então que comecei a levar a sério meu trabalho como ilustradora e a usar as fotos das lascas do muro de Berlim como background para meus desenhos. As possibilidades de combinações são infinitas: faço recortes e colagens digitais contrastando a brutalidade do conceito que o muro transmite, as cores, o poder feminino e a delicadeza dos animais.
Eu odeio o muro de Berlim por tudo o que ele representa na história, pelo sofrimento que causou a tantas pessoas, pelas mortes, pela ignorância, pela brutalidade e arrogância. Mas amo os pedacinhos dele, tão coloridos, tão inspiradores, tão delicados.